Diário d'Almas
II
ao teu sorriso adequou um rio
como se te tivesse corrido dez mil anos pelo rosto –
pelo sereno e delicado leito das estrelas
ao teu tronco –
pulsar do universo –
delineou a agitação das marés
nos teus dedos solares
nascem fogueiras
e libertam-se flores:
aromas
todo o teu corpo
tem a geometria dos mestres;
toda tu
és milimétrica teia de desejo
III
apesar de tudo a solidão já não é nova
já vem do tempo em que eu chorava
e os fantasmas verdes voavam no meu corpo
só que antes eu fugia e escondia-me atrás das paredes
e hoje já não há paredes
suficientemente altas para ocultar o meu cansaço
o infinito e algumas fontes
nesse tempo
salvaram o meu sangue
de afogar o meu peito
sobraram-me os dedos
e o reflexo que fazem
nas árvores transformadas em branco
para gritar calor e fogo
VI
escrevo-te porque não posso gemer
em conjunto com o coração que tens na boca
porque não tenho mais como enterrar palavras em ti
por ser a única forma de sentir o teu sangue no meu
nos meus sonhos a nudez dos fogos é o teu corpo
e a silhueta das flores que nasce no teu ventre
como se a arte da pele fosse a noite dos teus olhos
ou a simples humidade das fontes nas tuas pernas
como se o sol ardesse lento na tua imagem
ou os rios te nadassem na pele despida
a doçura do teu sorriso envergonha as estrelas
o dourado da tua pele contrasta com o branco do desejo
e faz amor com os caminhos tortuosos da mente
com a sombra imaginada do corpo contorcido pelo orgasmo
XI
na humidade das fontes
e no calor dos vales
a face despida de um pássaro
encanta as estrelas com letras de anjo
enquanto as palavras esperam o sono
é a nudez do poema na imobilidade das imagens
que incendeia o corpo numa fogueira de desejo
e os lábios da vontade em gemidos de mar aceso
nos teus olhos escreve-se o prazer das almas
e na nudez imaginada escrevo o deleite do sangue
com o interior vermelho do teu corpo de página em branco
quando ficas em silêncio sou a luz que te sobe pelas pernas
e o vento no despertar mágico dos teus seios
sou o arrepiar dócil da tua pele
XVI
amo o teu rumoroso aroma a fonte
a forma delicada da tua voz
a misteriosa suavidade da tua pele
o puro ardor das tuas mãos nas minhas
para ti posso ser água ou fogo
ser a lentidão dos amantes ou
a brevidade do grito
na leve resistência do sangue
serei a seiva que te arde nas veias
um animal sem sombra no teu ventre
carne do teu ilustre anseio
serei gazela flutuante
ou a intimidade do linho
no corpo de uma serpente
XXI
é nevoeiro o brilho das estrelas
quando da tua boca sai a indizível
teia de amor
é silêncio o rumor do mar
no geométrico infinito
do teu rosto
só nas nuvens é possível escrever as tuas mãos
e apenas no calor é que elas se movem lentas
inerente ao prazer do toque está a tua respiração
e a energia que ela transmite e revela aos sismos
é na furiosa agitação da carne que grito o teu nome
mas nas chamas do teu corpo arde a serenidade
e ignoras as exclamações de amor na minha voz
finges não perceber o sangue nos meus dedos