Num ano de centenários, o do nascimento do escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986) foi dos que mais interesse despertou nos media. Considerado um dos autores mais importantes do século, com uma obra que tem vindo a conquistar cada vez mais admiradores, o seu nome aparece sempre na lista dos grandes escritores que nunca receberam o Nobel. Por que razão, perguntar-se-á? Os argumentos são vários. Desde uma ingénua posição política de apoio a Pinochet, de que mais tarde viria a demarcar-se, a uma inadvertida humilhação, num jantar em Estocolmo, de um poema do seu tradutor sueco, o escritor Artur Lundkvist, secretário da Academia Sueca. Mas nesta lista dos não-nobelizados Borges não está mal acompanhado, e um prémio é, afinal, só um prémio, e depende quase sempre mais dos critérios de quem o dá do que propriamente da obra a que é dado. Este neto de marinheiros portugueses, que dormia com Camões à cabeceira, nasceu de uma família culta e cresceu « num jardim, por trás de uma grade com lanças, e numa biblioteca de ilimitados livros ingleses». Por isso, o seu destino desde cedo se traçou. Aos seis anos já queria ser escritor e redigiu um manual de mitologia clássica e um conto a imitar Cervantes. « A leitura é uma forma de felicidade», escreveu. E foi no meio de Virgílio, Shakespeare, Cervantes, Verlaine, Flaubert, Voltaire, Carlyle, Quincey, Kafka, Shopenhauer, que Borges viveu a sua vida. Aprendeu inglês desde muito cedo com a sua governanta, alemão e francês mais tarde em Genebra, onde iniciou os seus estudos superiores, viveu em Espanha e, regressado à Argentina, integra a vanguarda literária da altura, publicando o seu primeiro poema em 1919 e, dois anos mais tarde, o livro de poemas, Fervor de Buenos Aires. A sua obra repartir-se-á pela poesia, novela e ensaio. A partir de 1925 inaugura o que viria a chamar-se conto-ensaio, breves trechos concebidos a partir da sua extraordinária capacidade de leitura, e que partem de um poema, de um livro, de um escritor, envolvendo-se a escrita numa reflexão precisa e lógica, mas sinuosa e labiríntica (cf. Outras Inquirições, 1952). Uma doença familiar, a perda progressiva da visão, tornou-se cruel destino na vida deste homem, que amava a leitura mais que tudo. Chegou-lhe a cegueira total aos 55 anos. Apesar disso, continuou a viajar e a ministrar cursos pelo mundo fora. Os seus textos são escritos mentalmente e ditados. « Estando cego, vivo na solidão e, durante todas essas horas, resta-me imaginar. Tenho sempre uma história na cabeça, que se tornará conto ou poema. Eu tendo a transformar tudo em literatura. Não posso dizer que é o meu ofício. É o meu destino. Eu vivo na literatura.» Depois de um casamento fugaz, não consumado, com a amiga de infância Elsa Astette Milan, volta para casa da mãe, Leonor Acevedo, nome de origem portuguesa, a sua paixão de sempre, com quem partilhava o amor a Dickens e Eça de Queirós.
Fonte: Wook
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