Um escultor, um dia – Augusto Clésinger
se chamava – entregou ao mundo
essa «mulher mordida por uma áspide»
que um museu hoje conserva.
Os turistas
passam junto dela, se um deles se detém
lê a inscrição e continua
a sua visita. Ou com frequência
são grupos de miúdos, dirigidos
por um professor que lhes explica
os efeitos da terrível mordedura,
como o autor captou a dor,
a angústia, o medo.
E contudo
bastar-lhes-ia contemplar o voo desses olhos,
esse rosto, escuta os suspiros
que saem da sua boca, desse peito
pelo amor dilatado, esse flanco que se curva,
essas coxas que cerra
o gozo,
para entenderem
que não é a Morte que toma
essa mulher, mas o prazer,
o êxtase, o absoluto
aniquilamento do orgasmo.
Se o bom Auguste Clésinger
se viu forçado pela censura do seu tempo
a inventar uma história trivial
que permitisse às suas fantasias
serem expostas no Salão de 47,
que subtil, sedutor, inteligente
foi, para nos legar essa beleza apaixonada:
o instante supremo
em que uma mulher entrega a sua carne
à História.
Nome (Deixar em branco se não quiser que o seu nome apareça)
Comentário
Carateres restantes: 1000