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Uma Toupeira na Calçada

A.M.Pires Cabral

Vi uma toupeira na calçada.

As toupeiras não se dão bem em calçadas
– elas que têm no solo arável o seu habitat –
mas aquelas estava ali inexplicavelmente.

Uma aventura que acabou mal,
pensei para comigo.

A toupeira extraviada na calçada
esbracejava (se assim se pode dizer)
como um náufrago que não tem bóia nem tábua.

Tentava refugiar-se na terra
a que pertencia. Mas, desfavorável,
a pedra não se deixava fender das suas unhas,
tal como a água se não deixa nadar
do desespero do náufrago
que não tem tábua nem bóia.

Estava-se mesmo a ver como a coisa ia acabar.

Enquanto tivesse forças, a toupeira,
embora perplexa daquele lugar hostil,
continuaria sempre a esbracejar,
arranhando em vão a pedra da calçada.
Depois, algum gato havia de passar por ali
(há sempre um gato que passa ‘por ali’)
e daria o remate apropriado
a esta história sem história.
No fim de contas, uma toupeira é um rato,
não é verdade? (Pergunta o gato.)

Meditando na sorte da toupeira,
enquanto o gato ainda anda por longe,
ocorreu-me então que a calçada
podia muito bem ser um espelho
e a toupeira naufragada
a nossa imagem reflectida nele.

Toupeira em calçada todos nós.

 

 

 

 

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