Às vezes o Inverno muda de parecer
e começa a nevar,
neva espessamente, em desespero, como se temesse
não viver até o dia de amanhã.
Nestes casos é melhor desligar o telefone, a campaínha da porta,
pôr vinho a ferver em cima do fogão,
folhear cartas antigas
e olhar para trás, também, para a minha vida,
como se ela não tivesse acontecido.
Como se não me tivesse olhado o canhão, nem olhos lascivos,
como mão surradas, não se tivessem alongado pela minha mão,
e tudo que fosse polkítica, amor, dobre de sinos,
me esperasse de novo num horizonte de oceano.
Nestes casos o melhor é imaginar
que ainda posso chorar pela minha cabeça perdida,
o vento atrai os lilases para cima
de camas, meios-corpos e almofadas desgrenhadas,
e no juízo final terrestre
posso estar de pé ao lado de bons companheiros
em camisa macia e casaco leve
além de fumo, tascas, cemitérios,
fixando o olhar nos olhos dum país a perverter-se
sublimemente,
na minha cabeça há memória de neve,
neve, neve como se o reboco duma catedral
tombasse silenciosamente.
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