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O Rapaz Liquefeito

Thomas Möhlmann

I

Depois de largar as roupas e os velhos adornos,
ligeiramente curvado, acocorado, ele juntou-se ao rio.
Enquanto as penas secam

ele
dobra
as suas
pequenas
palavras

em barcos, quedando-se a olhar
frases bem formadas, em silêncio amoroso.

Levantar-se, perder gradualmente a forma
agora e esperar até se poder embalar
por entre as paredes finas
da sua pele, como se estivesse num aquário tombado.

Coloca um passarinho morto
à superfície do braço
para conservar um segredo que ele próprio inventou
antes de ser levado pelas águas.




II

Ela flutua de olhos abertos, a boca
quase tão descorada como as pedras
e ele veste-a com tudo o que tem

transportando-a até ao término
soubera ele onde, com os braços
que se recusam a tornar-se carne, a ela,

a sua irmã transformada num pano encharcado,
ele marulha na sua face inchada
para mais um aceno, um relampejo no olhar.




III

‘Era aqui que devias ter aninhado, meu passarinho,
e aqui as ondas quebraram o último pedaço de fita,
um remoinho adornou o último barquinho
e contudo nada mais fizeste salvo inchar e empalidecer
e esboroar-te sucessivamente em bocadinhos mais pequenos e descoloridos,
partículas cada vez mais e mais pequenas.’

‘Tudo ficará mais leve, querido mano,
quase não há mais nada intacto entre nós,
mais um pouco e já não distingues a diferença
nem a relação que nos separa
retoma – um beijinho – o teu segredo, recupera as palavras
e deixa-as – um beijinho – rolar pelos teus lábios secos.’


§


Ele procurou por muito tempo

Cada passo diminui e aumenta o número de possibilidades
mas não as possibilidades que ele procura
tem de haver outro caminho que não este, mas assim que ele o toma,
tem de haver outro caminho. Abordou pessoas

apresentou-se sob nomes diferentes e perguntou se
as pessoas sabiam onde estavam. No mar alto, no umbigo do mundo
à beira de jardinzinhos bem-tratados: ninguém sabia.
Onde o ar era tão rarefeito que ele tinha vertigens, onde

o ar denso lhe cortava a respiração, onde todos
se ofendiam mutuamente, onde ninguém se atreveria ir,
onde todos deveriam ter estado: ninguém sabia.

 

 

 

 

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